Ederson Malheiros Menezes - Mestre em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social; MBA em Gestão de Pessoas; MBA em Coaching; Esp. em Gestão de Projetos Ágeis; Esp. em Docência no Ensino Superior; Esp. em EaD; Bacharel em Teologia; Licenciatura em Sociologia; Bacharel em Administração. Contato: educacaosociologica@gmail.com
sábado, 17 de agosto de 2013
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Os dez mandamentos da observação participante
Os dez mandamentos da observação participante
Licia Valladares
Licia Valladares é professora de Sociologia da Universidade de Lille 1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil é pesquisadora associada do Iuperj.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092007000100012&script=sci_arttext>. Acesso em: 07/08/2013
Licia Valladares
William Foote WHYTE. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. 390 páginas.
Enfim o leitor brasileiro tem acesso a Street corner society
de William Foote Whyte, um clássico dos estudos urbanos, obrigatório
em todo curso de métodos qualitativos e pesquisa social. Gilberto
Velho, autor da apresentação e responsável pela coleção
"Antropologia Social" da Jorge Zahar, tomou a iniciativa de fazer
traduzir a edição de 1993, comemorativa dos cinqüenta anos da
primeira publicação do livro. A primorosa tradução inclui anexos que o
próprio autor foi acrescentando nas várias reedições do livro,
referentes à prática do trabalho de campo, ao depoimento de um dos
personagens e à sua lista de publicações. Além de um índice
remissivo, peça rara entre as publicações brasileiras, mas de uso
fundamental quando se quer realizar uma leitura compreensiva de
uma obra.
Originalmente
publicado em 1943, o texto é não apenas atual pela temática que
aborda–a juventude, a organização social das gangs e dos bairros
pobres –, mas também um livro fundamental para aqueles que fazem
trabalho de campo nas cidades, realizando o que os norte-americanos
denominam anthropology at home. É também de grande
importância para os sociólogos urbanos que cada dia aderem mais aos
métodos qualitativos e aos estudos de caso e se interessam pelo tema
das redes sociais, da juventude, da política local e da
territorialização da pobreza. O subtítulo – A estrutura social de uma área urbana pobre e degradada
– chama a atenção para a importância atribuída pelo autor aos temas
da estrutura e da mobilidade social, normalmente considerados
temáticas próprias da sociologia.
William
Foote Whyte, filho de classe média alta norte-americana, pesquisou
nos anos de 1930 uma área pobre e degradada da cidade de Boston,
onde morava. Conhecido como um dos slums mais perigosos da
cidade e sobre o qual circulavam várias idéias preconcebidas e
estigmatizantes, o bairro italiano é pouco a pouco "desbravado" pelo
aprendiz de pesquisador que apenas o conhecia por "ouvir dizer".
Ao mesmo tempo em que se insere na localidade e vai redefinindo os
objetivos de sua pesquisa, dá tropeços no convívio com os moradores,
aprendendo a pensar e a refletir sobre a natureza de suas relações
com os informantes. Aos poucos vai sendo aceito, muda-se inclusive
para Cornerville, mas se dá conta de que é fundamental poder
contar com um intermediário para realizar sua observação. "Doc",
termo que define um informante-chave, simboliza esse mediador, que
garante o bom acesso à localidade e/ou ao grupo social em estudo.
Desempenha também o papel de conselheiro e "protetor", defendendo o
pesquisador contra as intempéries e os imponderáveis próprios ao
trabalho de campo. Após três anos de convívio e familiaridade com os
diferentes grupos informais e instituições que atuavam e estruturavam
a área (clubes sociais, centro comunitário, organizações
informais etc.), Foote Whyte deixou o bairro para dedicar-se à
difícil tarefa de redigir sua obra. Saída difícil e dolorosa para o
observador participante, mas facilitada pelo fato de o jovem
pesquisador mudar-se para Chicago, onde se inscreve como aluno de
doutorado na universidade onde Robert Park havia bem marcado sua
passagem.
Para além do
interesse temático, este livro constitui um verdadeiro guia da
observação participante em sociedades complexas. Minha opção será a
de insistir na contribuição metodológica do autor, tendo em vista a
verdadeira "moda" no Brasil de estudos de caso em "comunidades
carentes" ou em territórios urbanos demarcados social e
geograficamente.
Dez "mandamentos" podem ser depreendidos da leitura do livro:
1)
A observação participante, implica, necessariamente, um processo
longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para
"negociar" sua entrada na área. Uma fase exploratória é, assim,
essencial para o desenrolar ulterior da pesquisa. O tempo é também um
pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação
de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de
pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e
não num único momento (p. 320).
2)
O pesquisador não sabe de antemão onde está "aterrissando",
caindo geralmente de "pára-quedas" no território a ser pesquisado.
Não é esperado pelo grupo, desconhecendo muitas vezes as teias de
relações que marcam a hierarquia de poder e a estrutura social local.
Equivoca-se ao pressupor que dispõe do controle da situação.
3)
A observação participante supõe a interação pesquisador/pesquisado.
As informações que obtém, as respostas que são dadas às suas
indagações, dependerão, ao final das contas, do seu comportamento e
das relações que desenvolve com o grupo estudado. Uma auto-análise
faz-se, portanto, necessária e convém ser inserida na própria
história da pesquisa. A presença do pesquisador tem que ser
justificada (p. 301) e sua transformação em "nativo" não se
verificará, ou seja, por mais que se pense inserido, sobre ele paira
sempre a "curiosidade" quando não a desconfiança.
4)
Por isso mesmo o pesquisador deve mostrar-se diferente do grupo
pesquisado. Seu papel de pessoa de fora terá que ser afirmado e
reafirmado. Não deve enganar os outros, nem a si próprio. "Aprendi
que as pessoas não esperavam que eu fosse igual a elas. Na realidade
estavam interessadas em mim e satisfeitas comigo porque viam que eu
era diferente. Abandonei, portanto, meus esforços de imersão
total" (p. 304).
5) Uma
observação participante não se faz sem um "Doc", intermediário que
"abre as portas" e dissipa as dúvidas junto às pessoas da
localidade. Com o tempo, de informante-chave, passa a colaborador da
pesquisa: é com ele que o pesquisador esclarece algumas das
incertezas que permanecerão ao longo da investigação. Pode mesmo
chegar a influir nas interpretações do pesquisador, desempenhando,
além de mediador, a função de "assistente informal".
6)
O pesquisador quase sempre desconhece sua própria imagem junto ao
grupo pesquisado. Seus passos durante o trabalho de campo são
conhecidos e muitas vezes controlados por membros da população local.
O pesquisador é um observador que está sendo todo o tempo
observado.
7) A
observação participante implica saber ouvir, escutar, ver, fazer uso
de todos os sentidos. É preciso aprender quando perguntar e quando
não perguntar, assim como que perguntas fazer na hora certa (p.
303). As entrevistas formais são muitas vezes desnecessárias (p.
304), devendo a coleta de informações não se restringir a isso. Com
o tempo os dados podem vir ao pesquisador sem que ele faça qualquer
esforço para obtê-los.
8)
Desenvolver uma rotina de trabalho é fundamental. O pesquisador não
deve recuar em face de um cotidiano que muitas vezes se mostra
repetitivo e de dedicação intensa. Mediante notas e manutenção do
diário de campo ( field notes ), o pesquisador se
autodisciplina a observar e anotar sistematicamente. Sua presença
constante contribui, por sua vez, para gerar confiança na população
estudada.
9) O
pesquisador aprende com os erros que comete durante o trabalho de
campo e deve tirar proveito deles, na medida em que os passos em
falso fazem parte do aprendizado da pesquisa. Deve, assim,
refletir sobre o porquê de uma recusa, o porquê de um desacerto, o
porquê de um silêncio.
10)
O pesquisador é, em geral, "cobrado", sendo esperada uma "devolução"
dos resultados do seu trabalho. "Para que serve esta pesquisa?"
"Que benefícios ela trará para o grupo ou para mim?" Mas só uns
poucos consultam e se servem do resultado final da observação. O que
fica são as relações de amizade pessoal desenvolvidas ao longo do
trabalho de campo.
Outros "mandamentos metodológicos" poderiam ser inferidos . Gostaria apenas de insistir sobre dois pontos. Da leitura do livro, fica claro que a observação participante não é uma prática simples mas
repleta de dilemas teóricos e práticos que cabe ao pesquisador
gerenciar. A experiência descrita e analisada pelo autor, numa
linguagem que dispensa o jargão especializado, mostra que a
observação participante exige, sim, uma cultura metodológica e
teórica. Foote Whyte não vinha de uma formação em antropologia ou
sociologia, mas havia estudado na tradicional e bem cotada
Universidade de Harvard. Havia lido Malinowsky, Durkheim, Pareto, os
Lynd ( Middletown ) e a literatura sobre communities.
Teve contacto com Elton Mayo, que o orientou no aprendizado das
técnicas de entrevista, e com o antropólogo Conrad Arensberg, com
quem discutiu métodos de pesquisa de campo. Lloyd Warner, autor de Yankee city,
veio a ser seu orientador na Universidade de Chicago. Para a
revisão do manuscrito, contou com as sugestões de Everett Hugues.
Como diz Gilberto Velho, na apresentação da edição brasileira, o
livro "como produto final traz inevitavelmente as marcas de sua
passagem e relações com alguns dos expoentes da Escola de Chicago dos
anos 1940" (p. 12).
Outro
aspecto importante diz respeito à atualidade do livro e sua
pertinência para entender áreas pobres e o mundo popular no Brasil de
hoje. O diagnóstico oferecido pelo autor contrapõe-se à imagem
produzida pelo senso comum, que considera as áreas pobres
exclusivamente um problema: degradadas, homogêneas, desorganizadas,
caóticas e fora da lei, devendo necessariamente ser "ajudadas" uma
vez que "abandonadas à sua própria sorte" nunca se desenvolverão.
Vistas de dentro, e a partir do olhar arguto do cientista social,
tem-se outra visão: tais localidades corresponderiam a áreas onde
coexistem espaços e grupos locais diferenciados porém estruturados a
partir de redes de relações sociais. A desorganização social não
é, portanto, a tônica geral–o que não significa negar a existência
do conflito entre os grupos. Foote White não tem, dessa forma,
nem uma visão "miserabilista" nem populista dos pobres. O autor
insiste na importância da sociabilidade que ocorre no espaço público
do mundo popular, na "sociedade da esquina" para usar seu próprio
linguajar. Pois é na esquina, no espaço informal, que as decisões são
tomadas, que os grupos se estruturam e que as relações sociais se
constroem e se destroem.
Que
este livro sirva de "aviso" e inspiração a todos aqueles que queiram
se lançar na aventura da observação participante.
Licia Valladares é professora de Sociologia da Universidade de Lille 1 e membro do Laboratório Clerse/CNRS. No Brasil é pesquisadora associada do Iuperj.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69092007000100012&script=sci_arttext>. Acesso em: 07/08/2013
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