sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Programa de índio pegando onda - férias 2017

"E no entanto – como colocou Cornelius Castoriadis – o problema da condição contemporânea de nossa civilização moderna é que ela parou de questionar-se. Não formular certas questões é extremamente perigoso, mais do que deixar de responder às questões que já figuram na agenda oficial; ao passo que responder o tipo errado de questões com frequência ajuda a desviar os olhos das questões realmente importantes. O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano. Fazer as perguntas certas constitui, afinal, toda a diferença entre sina e destino, entre andar à deriva e viajar. Questionar as premissas supostamente inquestionáveis do nosso modo de vida é provavelmente o serviço mais urgente que devemos prestar aos nossos companheiros humanos e a nós mesmos" (Z.B. 1999).

Agora vamos para a prática...

"programa de índio"

Certamente você já ouviu ou usou a expressão "programa de índio". Normalmente usada de forma negativa ou pejorativa, ela retrata uma forma crítica em relação a algo de que não se gosta, porque retrô ou limitado. 

A expressão surgiu em minha mente depois de sair de férias e pegar um congestionamento que durou cinco horas, cinco horas para percorrer doze quilômetros. Mas, no mesmo instante, refiz o questionamento articulando o pensamento de que um programa de índio, possivelmente à sombra e beira de um rio seria muito melhor do que ficar trancado dentro de um carro por cinco horas em um calor escaldante, programa então, de "homem civilizado". 

Interessante perceber que depois de vencidas as expectativas do modernismo ou pós modernismo tem muita gente se voltando para uma vida "programa de índio" de verdade. Querem sossego, contato com a natureza e a tranquilidade aniquilada pelo ativismo selvagem da vida moderna.

Não tem como deixar de pensar em nosso processo civilizatório que define parâmetros de qualidade de vida segundo o mercado, o lucro e ignora o próprio humano em suas amplas necessidades existenciais para além do ludibriamento exploratório.

Ultimamente estou mais interessado em programa de índio, em aprender com eles, ou reaprender a viver.

"Pegar a onda"

Na beira da praia com a família, a caçula de três anos que havia feito um buraco na areia, pediu para a mana de treze anos para ela ir "pegar a onda". Ela não estava dizendo para que sua mana fosse surfar, e sim, para que buscasse um balde d'água. A caçula havia aprendido que a água do mar era uma "onda". Então, mana, vai "pegar a onda" e traz aqui para encher o buraco com a "onda".

O contexto estava sugerindo consensualmente um convite para surfar, mas na imaginação de uma criança apenas a descrição do denominado - água para encher um buraco na areia.

Isso ilustra claramente a dinâmica do desenvolvimento humano e sua relação com a linguagem. E a questão sociológica de como se mantém essa unidade social ganha uma dimensão questionadora da realidade. A coesão social precisa de uma linguagem comumente aceita, decodificada de uma mesma forma, sendo o processo civilizatório o processo pelo qual se constituem/instrumentalizam linguagens ideologizadas, que só poderão ser superadas pelo indivíduo, tendo em vista que o sujeito é o padrão daquilo que se deseja ou se encontra denominado socialmente como "necessário".

Quem diria que "programa de índio" e "pegar a onda" poderiam se encontrar sociologicamente para descrever e criticar processos da vida. Férias sociológicas também!!!!

Muito mais pode ser percebido, desde as influências sociais que permeiam a linguagem e observação sociológica, mas isso fica para outro programa e outra onda, num outro dia.... kkkkk

Ederson Malheiros Menezes