segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os desafios da sociologia

Os desafios da Sociologia

Arnaldo Lemos Filho

            A sociologia tem, desde suas origens, contribuído para a ampliação do conhecimento dos homens sobre sua própria condição de vida e, fundamentalmente, para a análise das sociedades. Ela não se reduz à contestação e à denúncia e, por ser um conhecimento metódico, pode trazer benefícios à sociedade, na medida em que compõe um saber especializado, com suas teorias e pesquisas. É verdade que, muitas vezes, ela tem sido usada para produzir conhecimentos de interesse das classes dominantes, tornando-se um instrumento de controle, o que tem acarretado a burocratização e a domesticação de suas pesquisas. Outras vezes, porém, mantém uma postura crítica diante da ideologia dominante, trazendo como conseqüência mal-entendidos e perseguições.
            Uma das características da sociologia, segundo Ianni, é a sua capacidade de sempre questionar, discutindo o seu objeto e método (Ianni, 1997). Isso se explica pelo fato de que a realidade social é viva, complexa, intrincada e contraditória. Nesse início do século 21 o processo não tem sido diferente do final do século 20, nem mesmo do século 19: o seu objeto está sempre revelando transformações em todas as direções.
            As transformações sociais que vinham se elaborando ao longo do século 20 tornaram-se, agora, cada vez mais explícitas. De um lado, parece haver a continuidade da vida e de trabalho, modo de ser, pensar e agir. De outro, rupturas, descontinuidade, imprevistos simbolizados nos contrapontos: modernidade e pós-modernidade, realidade e virtualidade, globalização e diversidade.
            Ora, se olharmos as origens da sociologia, veremos que ela sempre foi assim, sendo denominada inclusive “a ciência da crise”. Não sendo obra de um único pensador, mas o resultado de circunstâncias históricas e contribuições intelectuais, ela surge, no contexto do conhecimento científico, com um corpo de idéias que se preocupou, e ainda se preocupa, como processo de constituição e desenvolvimento do sistema capitalista. Sua origem mescla-se com os processos sociais e econômicos que há muito vinham se constituindo na Europa, no campo da ciência e da tecnologia, da organização política, dos meios e processos de trabalho, das formas de propriedade da terra e dos instrumentos de produção, da distribuição do poder e da riqueza entre as classes, das tendências à secularização e racionalização que se mostravam em todas as áreas das atividades humanas.
            As transformações ocorridas, principalmente no século 18, na estrutura econômica com a Revolução Industrial e na estrutura política com a Revolução Francesa, trouxeram crises e desordens na organização da sociedade, o que levou alguns pensadores a concentrar suas reflexões sobre as suas conseqüências. Preocupado em encontrar remédios para as crises sociais, os positivistas como Saint-Simon (1760-1825) no início do século 19, e chegaram à conclusão de que os fenômenos sociais, como os físicos, estavam sujeitos a leis rigorosas. Principalmente para Comte, a desordem e a anarquia imperavam em razão da dominação de princípios (teológicos e metafísicos) que não podiam mais se adequar à sociedade industrial em expansão. Era, portanto, necessário superar esse estado de coisas, usando a razão como fundamento de uma reforma intelectual plena do homem. Cria então a “física social” que depois denominou sociologia.
            É dentro desse contexto histórico que devemos compreender as contribuições dos clássicos do pensamento sociológico: Marx, Durkheim e Weber.
            As mudanças ocorridas como conseqüência da Revolução Industrial fizeram emergir também a organização dos trabalhadores em associações e sindicatos bem como o socialismo que visava a uma alternativa para o capitalismo. Essas mudanças tiveram como resultado o desenvolvimento de um pensamento explicativo da realidade para se definirem as possibilidades de intervenção. Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) procuram estudar a sociedade capitalista a partir de seus princípios constitutivos e seu desenvolvimento. Sua preocupação fundamental é analisar, o mais profundamente possível, as contradições da sociedade capitalista com o objetivo de colocar à disposição dos trabalhadores uma arma eficaz para as suas lutas contra o capital. Com base neles, muitos pensadores desenvolveram trabalhos em vários campos do conhecimento, tais como Lenin (1870-1924), Trotsky (1879-1940), Rosa de Luxemburgo (1871-1919) e Gramsci (1891-1937).
            Mais tarde, na esteira do positivismo de Comte, surge Èmile Durkheim (1858-1917), que procurou insistentemente definir o caráter científico da sociologia. Sua preocupação com a ordem social leva-o a afirmar que o elemento fundamental da sociedade é a integração social que aparece, em sua obra, por meio do conceito de solidariedade que permite a articulação funcional de todos os elementos da realidade social. Sua obra influenciou outros pensadores relacionados com a sociologia e a História. Assim, Marcel Mauss (1872-1950), Maurice Halbwachs (1877-1945), Marc Bloch (1866-1944), Talcott Parsons (1902-1979), Roberty Merton (1910-?), trilharão os caminhos sugeridos por Durkheim.
            No mesmo período de Durkheim, Max Weber (1864-1920), na Alemanha, em outro contexto cultural e histórico, buscava sua explicação para a sociedade. A unificação alemã e o processo de industrialização tardio vão afetar, de modo significativo, o seu pensamento. Suas idéias percorrem os caminhos variados da história econômica, passando por questões religiosas, pelos processos burocráticos e pela discussão metodológica das ciências sociais. Seu ponto de partida é a compreensão da ação dos indivíduos, atuando e vivenciando situações sociais com determinadas motivações e intenções.
            Em síntese, podemos dizer que essas três vertentes, a marxista ou histórico-cultural, a durkheimiana ou funcionalista e a weberiana ou compreensiva, vão inspirar outros pensadores que, refletindo sobre a realidade em que vivem, mesclando ou não contribuições de diferentes linhas teóricas, demonstraram a possibilidade de responder aos desafios do mundo contemporâneo. Como afirma Quintanero, foi a partir da obra realizada pelos clássicos que a sociologia moderna se configurou como um campo de conhecimento com métodos e objetos próprios. Com o tempo, nenhum tema escaparia ao seu conhecimento: o Estado, as religiões, os povos “não-civilizados”, a família, a sexualidade, o mercado, a moral, a divisão do trabalho, os modos de agir, a estrutura da sociedade, e seus modos de transformação, a justiça, a bruxaria, a violência (Quintanero).
            Ora, neste início do século 21, os desafios continuam, permanecendo a sociologia a “ciência das crises”. Para Ianni, quando a globalização se constitui como novo emblema da sociologia, as teorias sociológicas que ainda predominam, em suas implicações metodológicas e epistemológicas, são ainda o marxismo, o funcionalismo e a teoria weberiana (Ianni, 1997). É evidente que em algumas interpretações da globalização e de problemas do mundo moderno aparecem a fenomenologia e outros pontos de vista, como evolucionismo, as teorias da ação social, da ação comunicativa, do interacionismo simbólico. Mas o marxismo, o funcionalismo e a teoria weberiana “são as três poderosas matrizes do pensamento científico que nunca deixaram de contemplar o indivíduo, a ação social, o cotidiano e outras manifestações das diversidades da vida social”. (Ianni, 1997). Durkheim está presente no estruturalismo e na teoria sistêmica, pois autores modernos redescobrem o princípio da causação funcional com o qual nasceram e se desenvolveram o funcionalismo e os neofuncionalismos. Marx serve de inspiração a muitos autores dedicados a interpretar as configurações e os movimentos da sociedade global, interpretações inspiradas, em última instância, no princípio da contradição. E na medida em que se multiplicam os estudos sobre a mundialização e a racionalização do mundo, a ocidentalização de outras sociedades, tribos, nações e nacionalidade, Weber torna-se presente. Ou seja, essas teorias, ainda hoje, no início do século 21, “fertilizam a maior parte de tudo o que se produz e se discute sobre as configurações e movimentos da sociedade global” (Ianni, 1997). Temas como identidade nacional, teorias do desenvolvimento e globalização, trabalho, qualidade de vida e ambiente, transformação da sociedade industrial e da pós-industrial, as novas representações de temporalidade e espaço social, relações entre saber e poder, poder e corpo, indivíduo e subjetividade, pluralidade de sujeitos, de lutas sociais e de situações de dominação devem ser tratados a partir de um olhar que busque, ao mesmo tempo, resgatar o pensamento dos clássicos, por meio de autores contemporâneos (PUC, 2001). Domingues lembra que teorias que enfatizam o plano micro da vida social, o interacionismo simbólico e a fenomenologia, abordagens que sublinham o caráter organizado da vida social, tais como as interpretações funcionalistas de Merton, Parsons e Luhmann, o estruturalismo de Bourdieu e a teoria de estruturação de Giddens, a Escola de Frankfurt, representada por Adorno, Horkheimer e Marcuse, com sua mescla de marxismo, freudismo e weberianismo, devem ser levadas em conta quando se fala em teorias sociológicas do século 20 (Dominguez, 2001).
            Creio que Dowbor sintetizou bem os principais eixos da sociedade global, eixos que têm em cada um deles, embutida, uma contradição: a tecnologia, a globalização, a polarização econômica, a urbanização e a transformação do trabalho. Enquanto as tecnologias avançam rapidamente, as instituições correspondentes avançam lentamente e esta mistura é explosiva. A economia globaliza-se, mas os sistemas de governo permanecem no âmbito nacional, gerando uma perda geral de governabilidade. A distância entre pobres e ricos aumenta dramaticamente, enquanto o planeta encolhe, a urbanização junta os pólos extremos da sociedade, levando a convívios contraditórios cada vez menos sustentáveis, deslocando o espaço da gestão do nosso cotidiano para a esfera local, enquanto os sistemas de governo continuam na lógica centralizada da primeira metade do século 20 e o mesmo sistema que promove a modernidade técnica gera a exclusão social, transformando o mundo numa imensa maioria de espectadores passivos que deveriam estar se maravilhando com as novas tecnologias surgidas (Dowbor, 1997). São esses os grandes desafios da Sociologia no início do século 21.

Referências Bibliográficas

Dominguez, José Maurício. Teorias sociológicas no século 20. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, p. 8.
Dowbor, Ladislau. Globalização e tendências institucionais. In Ianni, Octavio (org.), Desafios da Globalização. Petrópolis, Vozes, 1997, p.15.
Ianni, Octavio. A sociologia numa era de globalismo. In Ferreira, Leila da Costa (org.), A sociologia no horizonte do século 21. São Paulo, Bom Tempo, 1997, p.13.
Ianni, Octavio, obra citada, p.23.
Ianni, Octavio, obra citada, p. 24.
Ianni, Octavio, obra citada, p. 24.
Puccamp, ICH – Projeto Pedagógico do Curso de Ciências Sociais – 2001.
Quintanero, Tânia. Um toque de clássicos. Belo Horizonte, UFMG, p.16.

Fonte: http://sociologial.dominiotemporario.com/os_desafios_da__27.html

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