sexta-feira, 26 de maio de 2023

O SENTIMENTO DE ENCURTAMENTO DA VIDA

 O SENTIMENTO DE ENCURTAMENTO DA VIDA

Ederson Malheiros Menezes*

 

QUANDO EU ERA CRIANÇA

Posso dizer que tive uma infância relativamente privilegiada.

Quando eu era um junior-adolescente minha maior expectativa era o término do período de aula matinal.

Não que não gostasse, mas sempre tinha algo mais interessante em mente para fazer.

E, desde que não houvesse algum afazer para ajudar os pais depois do almoço, o tempo era livre para fazer o que desejasse.

Penso hoje, que este tempo era um estímulo à criatividade e acredito que você sabe o quanto crianças, juniores e adolescentes podem ser criativos - não é mesmo?

Mas, o que faz retomar esta lembrança é o fato de que aquele tempo parecia voar - em grande parte, desconhecido do Sr. Relógio.

Eu ficava tão imerso nas invenções, atividades, aventuras, brincadeiras e tudo o mais.

A experiência se desvinculava do tempo e assim, anoitecia na rua.

Sempre ficavam planos para o dia seguinte.

Porém, o tempo era "curto" de um modo diferente - insuficiente de tanto prazer.


QUANDO EU ERA JOVEM

Saí de casa aos 13 anos de idade para trabalhar e continuar os estudos.

No começo eram tantas novidades que de igual modo o tempo parecia nunca atender.

Era um tempo também demarcado por descobertas, porém agora muito mais cronometrado, sempre em busca de atender o "tic-tac" para dar conta de tudo.

Além do trabalho que ocupava a maior parte do tempo, era necessário atender os estudos, atividades físicas e aos finais de semana algum tipo de lazer - quando possível.

E conforme este tempo passava as expectativas aumentavam, assim como a cobrança social e a autocobrança, competitividade e sentimento de insuficiência - primeiras experiências de pressão!

Enquanto somos crianças, juniores, adolescentes e jovens pouco pensamentos se ocupam de forma tão profunda acerca do tempo - parece que tudo tem começo, mas nunca tem fim - parece que sempre haverá não apenas tempo suficiente, mas mais tempo.

Os novos projetos de vida obrigam que você comece a fazer seu dia a ter mais do que vinte e quatro horas. E, por ser jovem, o esgotamento é suportável.

Mas, se quando criança o tempo era qualitativo (cheio de vida), agora ele passa cada vez mais a ser quantitativo (cheio de "tic-tac").

E, apesar do desejo de se viver intensamente cada experiência, a medida que as atividades são empilhadas em nossa existência, tudo passa a ser mais superficial.

 

QUANDO FIQUEI ADULTO

O que difere o jovem do adulto em uma questão temporal e de consciência de seu tempo é a profissionalização.

Palavras como produtividade, maximização, excelência, alta performance e outras que se somam, indicam que o adulto continua querendo aumentar o seu tempo para viver mais, apesar do dia continuar tendo as mesmas duas dúzias de horas.

O sentimento de encurtamento da vida se intensifica e se modifica.

Quando criança o tempo era insuficiente e quase não perceptível pela imersão e realização do que se fazia.

Quando jovem, o tempo começava a cobrar que fosse cronometrado e os desafios tinham ao seu dispor todo potencial que um jovem possui com toda sua força.

Quando fiquei adulto, a única forma de atender a maximização da cronometragem era a maximização da eficiência pessoal e de todos os processos possíveis - de modo que as forças davam dia a dia sinais de limitação, assim como, as atividades intermináveis se acumulavam sobre uma mesa de angústia.

O sentimento de encurtamento da vida esta presente em todas as fases ou em todo o ciclo da vida.

Cada sentimento apresenta-se de seu modo não apenas em uma questão temporal, mas também e talvez ainda mais, encurtado pela experiência que algumas vezes já se fez tão satisfatória e em outros momentos tão restrita.

 

NO CAMINHO DA MAIOR IDADE

É aqui que a questão do tempo recebe mais atenção.

Afinal, se no começo da jornada ela parece ser tão insignificante, em seu término ocupa o pódio da existência.

O exercício da seletividade começa a tomar conta da vida. Por quê?

Por que você percebe que há muito mais tempo vivido do que para se viver. E o sentimento do encurtamento da vida é percebido novamente de uma forma diferente.

As lembranças são resgatadas para ajudarem a fazer as melhores escolhas para o tempo que ainda resta.

Cada segundo começa a ser valorizado com maior intensidade.

Aprendemos a cronometrar tantas coisas desnecessárias e agora sentimos um impulso para cronometrar o que realmente importa - "resgatar o tempo perdido".

 

TUDO TEM UM FINALMENTE...

Finalmente, começa a clarear que em grande medida o que importou foi o sentimento da experiência, pois o tempo cronometrado sempre foi o mesmo.

O cronometrado não pode ser curto ou longo, ele é o que matematicamente é.

Já o sentimento da experiência é tão diverso, será ele que vai dizer no final se o viver foi um tempo curto, longo demais ou adequado e satisfatório.

Minha tendência assim, é considerar que o sentimento de encurtamento da vida não se dá primordialmente pelo número de anos que uma pessoa vive, mas pelo modo como ela vive e experimenta a vida.

E, se hoje o sentimento de encurtamento da vida tem um tom incômodo para nós, deveríamos não tentar ajustar o relógio, mas sim nosso modo de viver.


*Ederson Malheiros Menezes (Mestre em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social, MBA e Gestão de Pessoas, Esp. em Gestão de Projetos Ágeis - educacaosociologica@gmail.com)