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quarta-feira, 11 de setembro de 2024

A SOCIEDADE DA FUMAÇA


A SOCIEDADE DA FUMAÇA 

(Ederson Malheiros Menezes)*

 

Certamente você já ouviu a expressão "Onde há fumaça, há fogo". Mas, a experiência nos diz que há mais do que apenas estes elementos.

Passei a noite acordado com irritação nos olhos, bebendo água e cuidando dos filhos que sentiam dor de cabeça, mal-estar, dor nas cavidades nasais e na garganta por causa da fumaça.

Escrevo aqui do Rio Grande do Sul em setembro de 2024, respirando a fumaça das queimadas desde a Amazônia, Pará e Mato Grosso, dentre vários outros estados do Brasil - uma fumaça que atravessa o país e atinge outros países.

Segundo matéria do jornal "O Globo" publicada em 09/09/2024 por Lucas Altino no site oglobo.com as queimadas dobraram em um ano e o governo mantém-se "atrasado" em suas iniciativas para evitar os problemas decorrentes  que configura-se em estado de emergência climática. (Veja matéria aqui).

Segundo a WWF-Brasil, ONG que atua há 28 anos para combater a degradação socioambiental e a vida das pessoas e da natureza, os incêndios não são decorrentes do processo natural do bioma no Mato Grosso, referenciando que os mesmos acontecem em 95% dos casos em propriedades privadas e que o governo possui iniciativas preventivas e de alerta sobre os mesmos. (Veja matéria aqui).

Como de costume, há a procura dos "culpados" de modo que sempre fica um empurra-empurra de responsabilidades - e depois que o fogo apaga, nada se faz.

O fogo e a fumaça são politizados, de modo que alguns acusam e outros defendem o governo e a população em suas classes. (Veja matéria aqui). O que me parece estranho é que ninguém consegue saber quem está certo ou errado. A coisa acontece e todo mundo é culpado e ninguém é responsável - e a vida segue, vira tudo fumaça.

Em meio a fumaça há uma disputa ideológica pelo poder. Mas, em meio a fumaça também estão muitas crianças, famílias inteiras e diversas pessoas que labutam todos os dias para colocar o alimento na mesa e preservar sua saúde em condições de vida limitada - são os esfumaçados por fumaças diferentes, com ambições diferentes e que sofrem de forma diferente.

Tendo por expectativa uma vida longa (não sei se tão longa assim com toda esta fumaça) estou chegando aos meus 50 anos de idade e durante toda minha jornada este problema sempre esteve presente e insolúvel. Será que não há algum outro caminho para uma humanidade mais inteligente e menos incendiária? Será que o problema realmente é sobre o culpado do fogo e da fumaça? Será que o ar que respiramos deixou de ser um bem comum?

Estes discursos politizados não resolvem a realidade das doenças respiratórias entre outros prejuízos incalculáveis na vida de milhares de pessoas.

Somos novamente assombrados pelo medo, medo da fumaça, mas mais do "humano".

Eu imagino que muitas pessoas como eu carregam este sentimento de frustração com o sistema político vigente - não estou falando de nenhum governo em particular - mas, da cultura política que se baseia em luta por poder para benefício particular, quando deveria ser pública.

A fumaça já foi problema entre vizinhos quando um ateava fogo no seu quintal enquanto o outro tinha roupas no varal. Mas hoje, a fumaça é maior, uma realidade ainda mais complexa e com implicações catastróficas.

Esta experiência deveria ser um sinal para toda nossa vida, de modo que, ao sinal de fumaça, combatamos não apenas o fogo, mas a índole dos incendiários inconsequentes - este traço que pode aparecer dentro de cada um de nós e que está amplamente estampado na vida de alguns.

Há muitas fumaças na Sociedade da Fumaça e cada uma delas permite reflexões importantes sobre nossa vida e história. Há fumaça que pode ser aroma e há fumaça tóxica que pode matar.


Ederson Malheiros Menezes (Mestre em Práticas Socioculturais e Desenvolvimento Social - imaginacaosociologica.blogspot.com - educacaosociologica@gmail.com)