quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Como estudar e fazer sociologia

Vejamos algumas possibilidades:

Opção 1 - Pode-se dar prioridade a conceitos, criando livros de sociologia que mais se parecem com manuais de decoreba. Definições disso e daquilo, que os estudantes decoram e esquecem. Sociologia contra a sociologia;

Opção 2 – Pode-se dar prioridade a escolas, ou correntes de pensamento, chamando-as de escola funcionalista, escola positivista, etc. O problema é que, muitas vezes, essas tais escolas representam um aglomerado de preconceitos, conjunto de juízos depreciativos das escolas que o autor do livro não aprecia. Sob um manto falsamente científico - que se diz descritivo, mas é muito mais depreciativo do que descritivo -, escreve-se horrores, por exemplo, sobre Durkheim e Comte, acusados de serem funcionalistas e positivistas, já que tais expressões são carregadas de juízos negativos, como se fossem palavrões. Sociologia contra a sociologia;

Opção 3 – Pode-se dar prioridade a autores, como o fez Raymond Aron no livro As Etapas do Pensamento Sociológico. Parte-se da biografia de cada autor e identifica-se sua trajetória investigativa. Os autores são analisados a partir da relação de cada um com a sociedade moderna, que é o grande fato social estudado pela sociologia, além de ser o ponto de partida da existência da sociologia, ciência que nasce e se desenvolve na sociedade moderna (gerada pelas revoluções francesa e industrial), para a compreensão e ordenamento de tal sociedade (compreendendo a sociologia como ciência descritiva, interpretativa, compreensiva e racionalmente prescritiva, e não somente explicativa);

Opção 4 – Pode-se dar prioridade aos fatos sociais. Em vez de se fazer uma espécie de mapeamento conceitual, coisa mais adequada à filosofia social do que à sociologia, faz-se um mapeamento temático, factual, cujo ponto de partida é a transformação do antigo regime em sociedade moderna, por meio das revoluções francesa e industrial (aqui citadas como fatos sociais que se tornaram referências paradigmáticas, sem, claro, descolarem-se da história).

A sociedade moderna é o grande fato permanentemente estudado pela sociologia, com seus desdobramentos fáticos no tempo e espaço. A opção 3 (autores) não incorre em mera ilustração biográfica se permanecer conectada à identificação dos fatos estudados pelos clássicos, como o fez Aron em seu livro já citado.

A sociologia clássica, que estuda os fundamentos da sociologia, tem por objetivo compreender a interpretação elaborada pelos fundadores da sociologia (sobretudo Comte, Marx, Durkheim e Weber) sobre a sociedade (moderna) que surge da transformação revolucionária (revolução em sentido sociológico) do antigo regime; e compreender o método usado pela sociologia no estudo de tal nova (em sentido cronológico, não moral) sociedade. Estuda a sociedade moderna por meio do estudo dos óculos hermenêuticos dos fundadores da sociologia.

Quando a sociologia abandona a centralidade dos fatos, ela retorna à metafísica social, ou seja, deixa de ser sociologia. Não sou contra a filosofia, nem contra a filosofia social, mas contra a opção metodológica de quem não identifica claramente os limites, as fronteiras metodológicas entre filosofia social e sociologia, entre método dedutivo e indutivo. Há pensadores que se dizem sociólogos que navegam em complexos mapeamentos conceituais caracterizados pela ausência (quase) absoluta de referência aos fatos. A troca dos fatos por conceitos divorciados dos fatos caracteriza o abandono prático da sociologia, retorno à metafísica.

Sem fatos não há sociologia. Fatos e hermenêutica dos fatos selecionados (paradigmas) caracteriza o fazer e estudar sociologia. Na sociologia clássica, a referência (e reverência) a Comte, Durkheim, Marx e Weber é, certamente, obrigatória, na compreensão da sociedade moderna por meio do método indutivo (positivista, compreensivo, dialético). Na sociologia contemporânea, a referência a autores como referência central esconde uma injustiça: por que citar este ou aquele autor num universo de centenas de autores? Um autor pode ser mais famoso do que outro pelas circunstâncias editoriais de seu país. Fama editorial e relevância sociológica não são expressões sinônimas.

Além disso, se, de um lado, a sociologia clássica é originária da Europa ocidental, hoje, há sociologia em todos os continentes. Há sociólogos profissionais na América do Sul, Central e do Norte; na África; Ásia; Austrália... A opção pela centralidade dos fatos, com seleção de fatos relevantes em cada um dos 05 continentes, permite uma compreensão menos europeísta da sociologia (contemporânea). O estudo da sociologia contemporânea pode ser feito pela identificação de sociologias temáticas, com seus microfatos específicos (turismo, esporte, moda, consumo, trabalho, religião) conectados ao macrofato permanente: desdobramentos da sociedade moderna no tempo e no espaço, nos cinco continentes.

Há sociólogos europeus, pouco habituados a reconhecer a existência de vida fora do planeta Europa, que referem-se a problemas típicos da Europa ocidental como se fossem problemas de relevância universal. Ou, então, consideram que tudo o que ocorreu ou ocorrerá na Europa, deverá ocorrer igualmente também no resto do mundo. Assim, estudar a Europa de hoje, de ontem e de amanhã seria conditio sine qua non para a compreensão de experiências de outros continentes.

Tal pressuposto da cognição primordial e permanente da Europa como condição para a compreensão do resto do mundo, deixa os sociólogos não-europeus num injusto estado intelectual de subordinação cognitiva. A descolonização da sociologia começaria pela mentalidade daqueles sociólogos não-europeus que conhecem muitos pensadores franceses, alemães, ingleses e muito pouco os fatos vitais de seus continentes de pertença. Tal sociologia extraterrestre (imposta ou escolhida) em relação ao continente de pertença do pesquisador não descolonizado é, também, sociologia contra a sociologia. Que a sociologia tenha se desenvolvido voltada para a Europa, é uma condição normal de nascimento, mas que não precisa se perpetuar, da mesma forma como a filha não permanece para sempre na casa da mãe.

A descolonização (ou normal crescimento) da sociologia torna-se possível por meio da identificação e análise de fatos relevantes em cada continente. Não se trata de ser contra a Europa, terra dos fundadores da sociologia, continente com problemas dramáticos. Trata-se de ser contra certa espécie de complexo de inferioridade intelectual que ainda vitima a mente de sociólogos pertencentes a outros continentes, mas que trabalham como se o resto do mundo fosse eterna filial da matriz Europa.

Seja qual for seu continente de pertença, o sociólogo exerce uma profissão mais próxima a do jornalista e médico do que a do metafísico do social, com seus conceitos que seriam “universalmente” válidos.

Assim como não há jornal sem fatos, não há sociologia sem fatos. A diferença é que o sociólogo, ao contrário do jornalista, permanece por anos com o mesmo fato. O prazo de validade dos fatos sociais é maior do que o prazo de validade dos fatos jornalísticos.

Em suma, a sociologia é factualista, não é metafísica social, não é opção por conceitos distantes dos fatos, mas ciência que estuda fatos caracterizados pela vitalidade, dramaticidade e até mesmo tragicidade. Fatos sociais que não são técnicos (mesmo se estudados com a ajuda de técnicas de pesquisa), mas vitais. Por isso, a relação com a medicina, ciência que, entre outras coisas, descreve patologias (mais ou menos graves) para tratá-las (prescrição).

O sociólogo não pode se dar ao luxo de apenas explicar os fatos sociais(dramáticos, patológicos ou trágicos). Precisa, também, identificar possibilidades racionais de tratamento. Não basta, por exemplo, explicar as diferenças entre sistema eleitoral proporcional e majoritário. É preciso, também, fazer um esforço de compreensão para tentar identificar com critérios racionais qual deles seria melhor para o Brasil de 2011 (reforma política). Assim, uns sustentarão que o melhor seria o sistema A; outros defenderão o sistema B. A opinião pública fará suas escolhas, e os deputados votarão em A ou B.

A sociologia é, antes de tudo, factualismo hermenêutico. Para a metafísica, factualismo é defeito. Para a sociologia, factualismo hermenêutico é um dever metodológico.

A sociologia estuda fatos (problemas) locais e internacionais para compreendê-los, explicá-los, tentando, também, identificar possibilidades de tratamento. Ciência descritiva, hermenêutica, prescritiva. Ciência do social cuja legitimidade é conquistada na sociedade (e não apenas entre seus pares, na academia) pela demonstração profissional de sua utilidade, prática, nos continentes de pertença dos pesquisadores. Fora disso, o que ocorre é retorno à metafísica, sociologia contra a sociologia. 

Fonte: http://fabioregiobento.blogspot.com.br/2011/03/como-estudar-e-fazer-sociologia.html

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