quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Quem forma o traficante?



Uma reportagem instigante


Hoje pela manhã foi veiculado através de reportagem o caso de um chefe do tráfico no Rio de Janeiro entre 1990 e 2000, e que mudou-se para viver em Salvador, na Bahia. 

Com identidade falsa, formou-se em direito tornando-se advogado e além de também empreender em pelo menos outros três setores.

Esta é a história do advogado, empreendedor, aprovado em concurso público, e que como estudante de especialização criminal tinha a pretensão de dar aulas em uma universidade. Do traficante que era chefe do tráfico e acumulava mandados de prisão e que agora, vivia uma nova experiência de vida.

A repercussão estranha e diferente


Depois de assistir a reportagem, fui à feira com meu filho. Enquanto caminhava nos corredores do salão comprando verduras e frutas, ouvi uma pessoa contando a reportagem para outras e juntos todos riam do fato.

De forma geral, o brasileiro faz isso: (re)conta o fato e ri. E o passo subsequente necessário é exatamente este que estamos realizando aqui.

Não conheço todos os detalhes, mas a oportunidade de ouvir novamente o fato fez despertar o questionamento indicado no título desta reflexão: Quem forma o traficante?


Responsabilidade individual e social


Não isento ninguém de responsabilidade pessoal. Mas com formação em sociologia torna-se impossível não ter sua imaginação sociológica aguçada com este relato de experiência.

Fico perguntando: o que esta pessoa estava procurando? 

Posso estar enganado pela ausência de informações mais concretas. Mas, parece que a resposta seria "oportunidade real".

Como já disse, isso não justifica o caminho percorrido. Mas aquilo que foi apresentado traz algumas reflexões significativas.

Começando pela mudança de identidade. Seria impossível recomeçar sendo a mesma pessoa, o estigma histórico não permitiria recomeço, a "caçada" não permitiria recomeço, o viver em um presídio não permitiria recomeço.

Não defendo criminoso, defendo condições do humano para poder genuinamente se desenvolver e recomeçar quando necessário. 

Afinal, este recomeço não parece ser fácil, e sabe-se muito bem, que a falta de oportunidade e condições básicas justifica o envolvimento de muitas pessoas com realidades das quais não gostariam de estar relacionadas.

Não é possível esquecer que existem muitas outras histórias de pessoas exemplares que superaram todas as barreiras, seja elas, econômicas, sociais, acadêmicas, etc. Estas são pessoas que alcançaram significativo sucesso em sua jornada. Elas são nossos ícones, nossos heróis, mas não refletem condições iguais para todos.

O que faço neste texto é relatar aquilo que trouxe provocação interna. Pois a partir deste fato, acendeu o questionamento sobre quem forma o traficante.

Será que se esta pessoa que antes era um traficante e que evidenciou através do direcionamento dos recursos que obteve, mudança, diz algo para nós como sociedade?


Os recursos eram ilícitos, mas o direcionamento para uma nova realidade de vida, com foco em empreendedorismo e educação, tem que evidenciar que algo diferente aconteceu. Pois, tudo o que se deseja de um detento é exatamente a denominada "ressocialização". 

Ninguém vai defender a forma como ele construiu sua oportunidade - foi errado! Mas quando pensamos na situação dos presídios no Brasil em paralelo com esta história é inevitável não perceber as limitações sociais e implicações destas limitações para a vida.

Essa corrosão do caráter tem sua fonte apenas no indivíduo, na sua interioridade? Quais as implicações de se considerar a possibilidade desta corrosão ser em grande grau, social? E então, quem seriam os cúmplices destes desvios? E neste caso, este recomeço terá novo recomeço dentro de um presídio? E qual a consequência de apoiar construção de oportunidade ilícita? Existem outras formas de construção de oportunidade ilícita em nossa sociedade e que não recebem o mesmo desfecho?

Indiscutivelmente, isso vai render muita... IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA.

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Ederson M. Menezes - licenciado em sociologia, especialista em educação e mestre em práticas socioculturais e desenvolvimento social. educacaosociologica@gmail.com

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